segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

No fundo

           E um belo dia meus pais foram viajar. Bodas-de-qualquer-merda, iam para o Caribe. E eu ia ficar com a casa só pra mim. Por dez dias.
Foi divertido no começo. Quando esse tipo de coisa acontece, você faz todas aquelas pequenas coisas que seus pais detestam: joga as roupas em qualquer canto, larga a toalha molhada em cima da cama (deles, porque você pode), compra um bolo com uma stripper dentro e chama seus amigos para beberem cerveja e assistirem por cima do muro a reação de todos quando o bolo chega na festa do filho de sete anos daquela sua vizinha moralista... aproveita as pequenas alegrias da vida. O problema é que, uma hora, a comida congelada acaba. Aí fodeu.
           Comecei a revirar a geladeira em busca de algo que eu pudesse esquentar e comer. Fui tirando tudo, olhando cada pote de sorvete, cada vasilha. E fui tirando e tirando até que só sobrou um tupperware ("teipouér", pros que, como eu, não faziam ideia de como se escreve essa merda) no fundo da geladeira. Eu não fazia ideia de desde quando aquele tup... potinho (foda-se, não gostei do jeito que se escreve isso) estava lá. Tudo parecia indicar que foi colocado ali mais ou menos na época em que Jesus estava usando seu truque de transformar água em vinho pra embebedar as amiguinhas nas festas de 15. Mas a fome era tanta que eu resolvi ao menos abrir e dar uma olhada. Manja quando você abre um potinho e partículas de mofo se espalham pelo ar? O jeito era jogar fora.
          Peguei a coisa (seja lá o que fosse, estava em um estado de putrefação tão avançado que seria impossível descobrir o que era sem um exame da arcada dentária) e levei pro lixo. Fui jogar e... a coisa me perguntou o que eu estava fazendo. No susto, derrubei o potinho. E aí aquilo começou a se arrastar pra fora do potinho pra falar comigo direito.
           "E aí, cara, qual é a sua?"; "Hã?"; "Perguntei o que caralhos cê tava pensando em fazer, porra."; "Eu ia te jogar no lixo."; "IA ME JOGAR NO LIXO, NÉ, FILHO DA PUTA? Cê tem MUITA sorte que eu tô de bom humor hoje, seu bosta, senão eu quebrava esse teu narizinho empinado aí."
           Aquilo não só estava falando comigo como estava tentando ser intimidador.
           "Olha, só me leva de volta pra geladeira e de boa, justo?";
           Fiquei mudo.
           "Ficou surdo, caralho?"; "Tá, entra no potinho aí."
           Aquilo se arrastou de volta pro potinho; Fechei a tampa; Joguei no lixo. Seja lá o que fosse aquilo, era um bosta e eu não o queria na minha casa.

Um comentário:

  1. Maluco, como ousa dizer que está apertando a tecla errada? Seus textos são ótimos!

    Aizen.

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