quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Descanse em paz, doce príncipe

                Matheus era um caso inédito. Aos 23 anos, passou a apresentar sintomas da Síndrome da Mão Alheia. Para quem não sabe, a Síndrome da Mão Alheia (também conhecida como Síndrome de Strangelove) é uma desordem neurológica onde um membro (mais comumente a mão) parece adquirir vida própria, fazendo diversos movimentos (movimentos que exigem raciocínio, como mostrar o dedo do meio para o chefe enquanto ele está de costas) sem que seu dono perceba. O que começou como uma síndrome incomum, mas já conhecida pela ciência, se tornou algo que assolava os neurologistas do país: a mão direita de Matheus começou a desenvolver uma personalidade própria.
                Abelardo, como ela dizia se chamar, demonstrou ser consciente pela primeira vez ao escrever um pequeno contro enquanto Matheus dormia. No texto, demonstrava não só total domínio do alemão, língua que jamais fora estudada por Matheus, mas também uma grande capacidade para escrever textos humorísticos. Com seu estilo sarcástico e realista, Abelardo conquistou uma legião de fãs pelo mundo afora.
Matheus se sentia muito orgulhoso da própria mão. Tinham conversas longuíssimas, geralmente sobre literatura sérvia, paixão de ambos. A proximidade física e ideológica logo deu a luz à uma paixão. Não, mas do que uma paixão, aquilo era, no mais puro sentido, amor. A sociedade ficou escandalizada quando Matheus e Abelardo iriam se casar. O papa, num discurso na Praça de São Pedro, anunciou que a união dos dois era uma aberração perante os olhos de Deus, já que ambos eram do sexo masculino. Mas o amor dos dois foi mais forte. Casaram-se numa cerimônia aberta ao público, que encheu de lágrimas os olhos dos fãs de Abelardo. A lua de mel foi no Caribe, onde passaram uma semana regada à sexo, champagne e prostitutas anãs vindas do leste europeu.
                Quando a comunidade médica achava que o caso não poderia ficar mais confusa, Abelardo passou a ter uma desordem mental própria: ninfomania. O problema de Abelardo ganhou notoriedade quando ele foi flagrado masturbando Matheus em uma praia. A atenção da imprensa, que poderia ter freado os impulsos de Abelardo, apenas agravou o caso. O perigo o excitava. Passou a masturbar (ou tentar masturbar) Matheus sempre que este se distraia. Toda a semana surgiam fotos dos dois naquelas revistas de fofoca que sua dentista tem no consultório. A gota d'água para Matheus ocorreu quando Abelardo começou a masturbá-lo enquanto davam uma entrevista em cadeia nacional. Indignado, arrancou Abelardo de suas calças e anunciou que queria divórcio.
                A separação foi difícil para ambos, já que eles eram colegas de quarto. Abelardo ficou meses sem conseguir escrever uma linha sequer. Matheus começou a se afundar no alcoolismo. Vendo o ex-marido indo lentamente ao fundo do poço e sabendo que era o culpado por isso, Abelardo entrou numa depressão profunda, se matando numa chuvosa noite de verão. Matheus ficou abalado. No enterro, disse que seu único arrependimento era não ter acordado e impedido Abelardo de cometer esta loucura.
                Hoje, Matheus tem uma vida normal. Após alguns anos, casou-se novamente, desta vez com seu pé esquerdo, Ana. Apesar do preconceito que sofrem, os dois dizem ser bem felizes. Talvez para impedir que a mesma tragédia ocorra, eles mantém uma relação totalmente celibatária. Os restos mortais de Abelardo ainda descansam em paz no Cimetiere du Pere Lachaise, onde são visitados diariamente por fãs.

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