Quando acordei, resolvi tomar um banho e dar uma volta. Arejar a cabeça, ver se me fazia lembrar de onde a havia deixado. Até vesti minha camiseta favorita (ou o que me pareceu que seria minha camiseta favorita), pensando que isso poderia ajudar. Fui até o parque e sentei num banco. Eu me lembrava de ainda tê-la no fim de semana, portanto só poderia tê-la perdido entre ontem e hoje. Como hoje eu não havia saído, só poderia tê-la perdido ontem. Tentei me lembrar do que fiz ontem. Não conseguia. Na verdade, eu não me lembrava de nada de antes daquele dia. É claro que eu não lembrava: sem identidade, não há lembranças. Afinal, elas são parte dela. Subitamente, percebi as implicações disso: minha vida era apenas um branco. Meu primeiro beijo, minhas músicas favoritas, meu sanduíche favorito. Tudo isso se foi. O choque me fez desmaiar novamente. Quando acordei, comecei a chorar. Chorei por toda uma vida que havia se perdido. Limpei as lágrimas. Um garotinho veio me perguntar porque eu chorava. Contei-lhe que havia perdido minha identidade.
-Moço, não é essa no bolso da sua camisa?
Enfiei a mão no bolso, como uma criança faminta enfiando a mão no pote de biscoitos. Estava lá. Eu era Joaquim Monteiro de Oliveira, funcionário de uma empresa especializada em criar sistemas operacionais para outras empresas. Eu odiava meu emprego. Eu era divorciado e pagava uma pensão enorme para a minha ex-mulher, que me largou por um crítico de arte francês. Meu filho estava morando com eles em Londres e havia se tornado mais um desses playboys sem nada na cabeça. Agradeci o garoto e lhe dei dinheiro para comprar um pirulito. Em seguida, rasguei o documento e fui comer no meu restaurante favorito. Ou no que me parecia que seria meu restaurante favorito.
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