quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Azeitando as engrenagens

É engraçado como é só tentar pensar e de repente você não consegue pensar em nada. Eu seria um puta meditador se ao invés de tentar acalmar minha mente eu tentasse botar ela pra funcionar. Uma página em branco é melhor que qualquer mantra. Dava até pra fazer um retiro: levar uma galera pro meio do mato, mandá-los se sentarem e botar uma folha em branco na frente de cada um e falar que eles precisam escrever um protótipo de romance em quarenta minutos. Pronto, uma sala inteira de mentes perfeitamente vazias, completamente harmonizadas com o universo. Os infelizes que não conseguirem ao menos sairão de lá com uma ideia pra um livro; todo mundo ganha!
É muito mais fácil escrever quando você não precisa de consistência. Se você vai escrever um texto pra valer, é terrível, depois que você começou você tem que se compromissar em seguir naquela linha (que pode te levar pra vários caminhos e dar voltas e se dividir e o caralho a quatro, mas, mesmo assim, exige um certo compromisso). Quando você está só exercitando o cérebro, como quem liga uma moto que não é usada há muito tempo e espera ela esquentar o motor, acelerando de vez em quando (no ponto-morto, claro) mas, no geral, só deixando ela por conta própria, quando você faz isso você pode só ir indo e quando o fio do raciocínio acabar você solta ele e pega um outro fio qualquer no emaranhado. Sempre tem um emaranhado, é só que, geralmente, você não sabe onde cada fio vai levar então não apanha nenhum.
Aí, mais um daqueles momentos de branco. Paz total. Mestre zen. NAMYOHORENGUEKYONAMYOHORENGUEKYONAMYOHORENGUEKYONAMYOHORENGUEKYOOOOOOOOOO.
Sabe, eu até achava que a máquina de escrever era melhor que o computador pra exercícios de escrita livre -você só vai, como não tem como apagar, não fica se limitando-, mas falta nela uma coisa essencial: um alt+tab pra mexer no Facebook ou dar uma olhadinha na Wikipédia. Nada como dar uma micro-procrastinada (que às vezes deixa de ser micro e resulta no fim do texto) pra preencher este vazio que fica entre cada raciocínio. Parece que pensar fica muito mais fácil, já que você pensa sem pensar. Sacou?
No fim, um dos maiores benefícios da escrita livre é que você aprende uma lição valiosa: às vezes, o melhor jeito de superar aquela parede branca na sua mente é simplesmente dar a volta nela. Pensar com a simplicidade de uma criança.
Aliás, acabei de decidir uma meta pra este exercício. Não, eu não tinha uma quando comecei, tava só escrevendo. Resolvi que vou preencher a página inteira. Afinal, um exercício deses não tem um “fim”, o fim é completamente arbitrário. Então vou botar o fim da página, que não tá muito longe mas ainda vai exigir que eu deixe a máquina rodar mais um pouco.
Sabe, às vezes eu sinto que na minha cabeça tem uma máquina a vapor. E de vez em quando, de repente parece que alguém do nada lota ela de carvão e eu sou tomado por uma energia frenética e a máquina começa a rodar a todo vapor e eu preciso escrever (e isso quase sempre acontece quando não tenho nada a mão). Aliás, isso me acontece muito no metrô. Mas não sempre que pego, especificamente à noite, quando estou indo pra algum rolê e o metrô está vazio. De repente eu fico louco pra chegar onde estou indo (TUM-DUDUM – I'VE BEEN WAITING SO LONG – TUM-DUDUM – TO BE WHERE I'M GOING- TUM-DUDUM – IN THE SUNSHINE OF YOUR LO-OO-O-OO-O-OO-OVE) e fico todo agitado e me vem na cabeça uma imagem do metrô correndo por cima da terra, implacável, destruindo tudo em seu caminho e deixando uma nuvem de poeira atrás de si, comigo no lugar do maquinista rindo como um maníaco. Às vezes até com um chapéuzinho de maquinista listrado azul e branco. É, tipo o do Dick Vigarista mas com outro esquema de cores.
Engraçado como o desespero de quando dá um branco logo no fim da meta o desespero é maior. Porra, você chegou tão perto, ACABA ISSO, PENSE EM ALGO. É tipo quando você tem um prazo. Se bem que, quando o prazo tá quase estourando, geralmente se acha uma fonte mágica de criatividade (ou isso ou se desliga o senso crítico e faz o que for possível, o que às vezes dá muito certo e outras nem tanto). Mas, no fim, é só deixar ir fluindo que a coisa vai. Olha só: eu já estou na antepenúltima linha. É só eu continuar falando disso mais um tempinho e eu enrolo tempo o – opa, mais uma linha! – eu enrolo por tempo o suficiente pra acabar o texto. Opa, espera aí, não era antepenúltima, aquela ali era a penúltima. Ih, rapaz, já estou em outra página. Isso é adeus, então, nobilíssimo leitor. Vou ali tomar um banho.

domingo, 28 de julho de 2013

Capitão Gancho

Tique. Taque. Tique. Taque. Tique. Taque.
O relógio digital foi uma das melhores invenções da história da humanidade. De repente, a lembrança constante do cair das areias do tempo foi substituído por um correr silencioso.
Tique. Taque. Tique. Taque. Tique. Taque.
E é claro que eu resolvi ser imbecil e comprar um relógio tradicional. “Quero sentir a passagem do tempo, quero uma lembrança constante de que o relógio não espera ninguém”, eu dizia, e comprei um relógio de parede igual o que tinha no sítio do meu falecido avô quando eu era criança, daqueles com um cuco que anuncia a virada da hora.
Tique. Taque. Tique. Taque. Tique. Taque.
Sabe o que é mais intimidador que uma folha em branco? Uma folha em branco com um relógio tique-taqueando por trás. De repente aquele bloqueio criativo parece intransponível. Procrastinar (se procrastinar não faz parte do seu processo criativo, pare de mentir) parece um crime hediondo.
Tique. Taque. Tique. Taque. Tique. Taque.
E aí você se desespera. Você tenta colocar qualquer coisa na página. O resultado não é satisfatório, mas é alguma coisa. Você se sente aliviado por ter conseguido vencer o tempo. A crise foi impedida. O dia foi salvo.
PEIM-CUCO! PEIM-CUCO! PEIM-CUCO! PEIM-CUCO!

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Cisão

-Ei, cérebro.
-Diga.
-Resolvi te antropomorfizar.
-O que?
-Mais que isso, resolvi te atribuir uma identidade dissosciável da minha.
-E por que você faria isso?
-Fica mais fácil assim, sabe? Tira um certo peso dos meus ombros.
-E vai colocá-lo em mim, que nem ombros tenho? Não é justo isso.
-Tarde demais, cara. Só o fato de estarmos tendo esta conversa já significa que nos tornamos entidades separadas.
-Ou que você tem esquizofrenia. Como é que você sabe que você não tem esquizofrenia, hm?
-Porque se eu tivesse esquizofrenia,você seria caracterizado como louco.
-É, tem lógica.
-Pois é.
-Mas pera ai, cara, como é que isso vai funcionar? Digo, sou eu que sou responsável pelos seus pensamentos, vontades, sentimentos... como assim vamos ser coisas separadas?
-Isso aqui é uma história, Cérebro (é, com letra maiúscula, é um nome próprio agora), não precisa fazer sentido, só entreter.
-Ah, mentaliguagem barata. Legal.
-Vai tomar no cu. E se ficou barata, é culpa sua. Vai trabalhar direito, filho da puta!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A uma distante

             Por muito tempo estimei as passantes como as mulheres ideais do homem tímido. Aqueles que, como eu, não sabem, ao falar com uma mulher, onde enfiar essas mãos cheias de dedos e terminam por metê-las pelos pés, acabando num nó de complicações inexistentes, sabem de cor seu charme: a passante existe somente durante o breve momento em que nossos caminhos se cruzam, mas, em compensação, é tudo o que você quer que ela seja. Se você tenta alcançá-la, ela desaparece em uma mulher real; a desculpa perfeita para a contemplação distante!
             Mas eu me enganei! Há um arquétipo ainda melhor para entregarmos nossos coraçõezinhos: a paixão distante. As vantagens de se apaixonar por uma ausente são, para quem já o fez, bem claras. Mantém-se o mais importante: a desculpa para jamais tomar qualquer tipo de atitude em relação aos seus sentimentos. Afinal, ela vive tão longe, que bem poderia trazer declarar-se? Você não poderia tê-la mesmo... não, não, melhor continuar confortavelmente calado. A outra vantagem, e isso pode soar estranho após o que foi dito das passantes, é justamente uma concretitude maior. Claro, perdendo-se um bocado de idealização, perde-se a perfeição. Mas ganha-se a sensação de amar uma mulher de verdade, com gostos, sentimentos, jeito de falar, dia a dia, tudo aquilo que uma mulher de verdade partilharia com você. E enquanto ela te conta sobre tudo isso, vai crescendo em você a ilusão de que, quem sabe, ela sinta o mesmo. De que ela esteja apenas esperando o momento em que você irá de encontro a ela para que possam ser felizes para sempre. A paixão distante é perfeita para nós, companheiros, porque é o mais perto que se pode chegar de uma mulher real sem se comprometer, sem se expôr aos riscos envolvidos na conquista de uma mulher de carne e osso. Poderia ser melhor que isso? Vou até entrar no Facebook, ver se uma certa sueca está online...

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Prisão de ventre

            Foi um negócio bem abrupto. Um belo dia eu simplesmente parei. No começo eu nem percebi. Só depois de uma semana que eu saquei que tinha alguma coisa estranha. Mas foi só depois de algum tempo que começou a ficar foda mesmo. Quando cê fica esse tempo todo sem conseguir, aquilo começa a te consumir. Cada momento livre é perdido sentado, fazendo força, suando frio; e todo o resto é passado amaldiçoando o relógio por não apressar seu tique-taque.
            No fim, o problema sumiu como apareceu: do nada. Eu acordei, sentei lá e... escrevi. Escrevi com a mesma fluência de sempre. A primeira linha foi um pouco mais difícil que o normal, mas, depois dela, tudo saiu sem esforço algum. Agora eu tô escrevendo todo dia de novo. O que tá complicado é essa prisão de ventre...

terça-feira, 20 de março de 2012

A Quest

            Eu acho muito legal como, quando você vai sempre no mesmo supermercado, qualquer mudança nele te irrita. Quebra aquela familiaridade gostosa com o ambiente. É como se alguém fosse na sua casa e mudasse os quadros de lugar. Talvez seja por isso que eu não tenha gostado nem um pouco quando me deparei com um tentáculo cor de rosa de cinco metros brotando do chão e bloqueando meu caminho quando eu fui comprar cerveja. E o pior é que não dava nem pra dar a volta, já que o filho da puta resolveu brotar BEM NA FRENTE DA PORRA DA GELADEIRA.
            Lembra no terceiro ano, quando você estava estudando e você empacava no exercício 11 da lista de Geometria porque pra resolver você precisava ter uma sacada que simplesmente não tava rolando? Foi exatamente assim que eu me senti ali, parado, com a mão no queixo, tentando pensar num jeito de sair daquela situação absurda. Foi aí que eu reparei que logo ao meu lado estava um cara com exatamente a mesma expressão que eu. E foi aí que tive uma ideia.
            -Ô brother, cê também tá querendo comprar breja?
            -Tô sim, cara, mas esse tentáculo aí fode.
            -Então, cara, eu tive uma ideia. Cê topa distrair ele enquanto eu vou ali pegar as cervas?
            -Ôrra, topo sim, mas distrair como?
            -Pega aquela vassoura ali e dá umas cutucadas nele.
            Na primeira cutucada o tentáculo agarrou o sujeito pela cintura e começou a bater no teto. Enquanto isso, peguei as cervejas os mais rápido que pude, botei dois 12-pack no meu carrinho, dois no dele, agradeci e fui embora.
            É, cara, supermercado quando muda é foda.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Ilustre desconhecido

             Ricardo tinha essa “maldição” há anos. Começou sem motivo aparente, no escritório. Um colega olhou para Ricardo e comentou com outro “nossa, cara, ele não parece o...”. Jamais terminou a frase. Ninguém nunca conseguia lembrar com quem Ricardo parecia, mas todos concordavam que ele parecia muito. Parecia que o infortúnio do pobre homem jamais acabaria. Ele havia quase se conformado com o fato de que seria abordado em todos os lugares que fosse pelo resto da vida. Até que reconheceram-no. Dois policiais. “Ei, ele não parece o...”. Levaram-no preso. Acontece que ele se parecia muito com o retrato falado divulgado na TV do culpado por uma série de assassinatos.
            Mas ao menos nunca mais teve de ouvir a maldita pergunta.